quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Cinismo e Sustentabilidade

27/08/2008 - 12h08
Cinismo e sustentabilidade

Por Ricardo Voltolini, da Revista Idéia Socioambiental

As corporações líderes em sustentabilidade, quase todo mundo conhece. Sobre as esforçadas, esta coluna apresentou, na semana passada, um breve roteiro de critérios para distingui-las no meio da multidão. A maioria dos leitores parece mesmo mais interessada em identificar as empresas cínicas, de longe a categoria mais visada e controversa. Em relação a elas, demonstram uma preocupação comum: não serem presas fáceis de um discurso bem engendrado que venda publicamente práticas sustentáveis que a empresa nunca teve nem tem intenção de adotar.

De acordo com o dicionário Aurélio, cínico é o sujeito sem escrúpulos, hipócrita e oportunista. Segundo a classificação aqui adotada, empresas cínicas são as que se dizem sustentáveis sem fazer o mínimo esforço para tanto. Não raro, sequer sabem o que significa o conceito, menos ainda os desafios de mudança que ele sugere. Também não parecem muito dispostas a saber, até porque, escravas de um modelo mental focado no bottom line, andam ocupadas demais em rezar a cartilha do lucro de curto prazo para acionistas nervosos. Ainda não pararam para pensar em seus papéis socioambientais. Partilham da doutrina de que, a despeito de gerarem externalidades, não cabe aos negócios assumir o que é responsabilidade dos governos e da sociedade civil.

Para elas, sustentabilidade consiste em assunto aleatório, uma filosofia incompatível com negócios e, pior, um custo adicional que vai resultar em queda de rentabilidade. Capitaneadas por líderes pragmáticos, com o couro endurecido pelas batalhas de mercado e orgulhosos de seus feitos financeiros, elas acreditam no falso dilema de que não se pode ser ao mesmo tempo sustentável e rentável. Mesmo diante das evidências produzidas pelo próprio mercado de que o tema constitui ativo intangível em alta e valor crescente para os negócios.

Da porta para dentro, ironizam a importância conferida ao tema e os líderes que o defendem, alegando que, em vez de salvar o mundo, eles fariam melhor se dedicassem o seu tempo a cuidar exclusivamente de seus negócios. Da porta para fora, ainda que sem entusiasmo, adotam um discurso de apoio sob o argumento de que representa uma condição imprescindível para pensar e fazer negócios no mundo de hoje. O que as move é, a rigor, a conveniência de incorporar ao discurso o que valorizam os consumidores, investidores e mercados. Como, no entanto, sustentabilidade é, para elas, apenas um elemento retórico, são sustentáveis até o capítulo um.

Como então não confundi-las com as empresas esforçadas? Basta observar, nas entrelinhas, alguns sinais característicos. Embora utilizem a palavra sustentabilidade, com razoável desenvoltura, não chegaram ainda nem ao estágio das práticas de responsabilidade social empresarial (RSE). Eventualmente, possuem uma outra prática. Na maioria dos casos, encontram-se, no máximo, no estágio da cidadania corporativa. Satisfazem-se em ter um ou dois projetos sociais, quase sempre simplórios, pouco transformadores e baratos, de preferência custeados com recursos de leis de incentivo fiscal. Como não dispõem de nenhuma outra ação de RSE, concentram-se apenas em divulgar os seus projetos. Mas, ao contrário do que possa sugerir, normalmente não o comunicam de forma ostensiva, preferindo as ações voltadas para formadores de opinião às de propaganda de massa. Além da questão custo, pesa também na comunicação mais segmentada a idéia de não se expor tanto: uma superexposição pode gerar resultados contrários de imagem a partir de um questionamento público sobre outros compromissos socioambientais que elas não têm nem querem ter.

Porque adotam apenas algumas práticas, essas empresas não possuem políticas claras, não se pautam por diretrizes e indicadores objetivos, não têm planos de ação e raramente publicam relatórios. As que os elaboram, limitam-se a produzir meros relatos vazios do que consideram ser seus compromissos socioambientais. Descuidadas, nunca atualizam o link Responsabilidade Social de seus sites, por absoluta escassez de fatos. Cínicas, muitas vezes divulgam como atos de altruísmo aquilo que são obrigadas por lei a fazer, como a contratação de pessoas com deficiência ou a adoção de mecanismos de redução de impacto ambiental. Pouco transparentes, dialogam mal com os seus stakeholders. Não avaliam os impactos de suas atividades em suas vidas. A atenção é exclusivamente dirigida aos acionistas.

Já que o tema não decorre de crença e convicção, mas da apropriação de um discurso beatificado pelo mercado, os líderes não sabem falar sobre sustentabilidade. Discursam o suficiente para convencer que o conhecem. E quando o fazem, são superficiais, abusam das frases feitas, de erudição de almanaque, de idéias extraídas de orelhas de livro ou de cenas do filme Verdade Inconveniente, de Al Gore. Espremendo-se o seu texto, extrai-se nada.

Não há modo mais eficaz de identificar uma empresa cínica, no entanto, do que conversar com um de seus funcionários ou parceiros. Como convivem no dia-a-dia com as corporações, ninguém melhor do que eles para identificar as contradições e incoerências entre discurso e prática.

* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável. ricardo@ideiasustentável.com.br

O Brasil tem que começar a fazer jus à potência ambiental que é"

03/09/2008 - 11h09
"O Brasil tem que começar a fazer jus à potência ambiental que é", diz Marina Silva em evento

O Funbio – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, promoveu na última sexta-feira o IV Diálogos Sustentáveis. Com o tema "Além da compensação: como superar impactos e fazer negócios positivos para a biodiversidade", a quarta edição do programa, que contou com o apoio da Alcoa, reuniu cerca de 130 convidados, entre empresários de diversos segmentos, representantes de ONGs e profissionais especialistas no assunto.

A conversa foi liderada por Ricardo Henriques, do BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; Kerry ten Kate, diretora do Programa BBOP – Business and Biodiversity Offsets Program (Programa de Compensação Voluntária para Negócios e Biodiversidade); e Roberto Waack, presidente do Conselho Consultivo do Instituto ARES para o Agronegócio Responsável. A senadora Marina Silva se destacou no papel de debatedora do evento, assim como Bráulio Dias, diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Paulo Adário, diretor da campanha Amazônia do Greenpeace.

Guilherme Leal, co-fundador da Natura e presidente do Conselho Deliberativo do Funbio, foi o responsável pela abertura do evento. Em seguida, passou a palavra para Pedro Leitão, secretário geral do Funbio, que anunciou a parceria do fundo com o BBOP, um programa internacional de compensações voluntárias para o impacto sobre a biodiversidade, chancelado pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), do qual o Brasil faz parte. Pela parceria, o Funbio figura entre as 600 organizações no mundo que já participam do programa.

Kerry ten Kate, diretora do BBOP, falou sobre os objetivos do programa ao redor do mundo: com 67 projetos-piloto em diversos países em setores como gás, petróleo e mineração, o BBOP busca ampliar o comprometimento das empresas com uma nova visão de sustentabilidade, que leve em conta a preocupação de ir além das atividades de mitigação de impactos e do pagamento de compensação necessários ao processo de licenciamento. "Aqui no Brasil queremos ampliar a experiência para o agronegócio. Nossa atuação consiste em disseminar ferramentas e diretrizes básicas para que as empresas entendam que é possível crescer e, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade", explicou.

Roberto Waack, do Instituto ARES, ressaltou que a iniciativa do BBOP relaciona a biodiversidade à pobreza, uma entre tantas complexas questões relacionadas à compensação. "Quando o BBOP aborda a questão da redução da pobreza, está sugerindo uma nova forma de valoração, que considere os ativos de conservação associados ao componente social, que geralmente não são percebidos como valor e aumentar a amplitude dessa percepção. Assim, seriam contempladas as populações que vivem nas regiões onde se instalam os empreendimentos, e que sofrem pressões econômicas quando os ativos da biodiversidade são convertidos em uma nova atividade produtiva. "É preciso que este valor, além de amplamente perceptível pela comunidade internacional, seja de alguma forma distribuído, contemplando a questão da redução da pobreza local", enfatiza.

Para Ricardo Henriques, do BNDES, o evento mostrou-se como um reflexo da disponibilidade de enraizamento dos diálogos na sociedade. Pedindo desculpas antecipadas ao neologismo, Henriques lembrou que o Brasil precisa sair da agenda do "crescimentismo" que, para ele, é o crescer pelo crescer, sem se importar com o ambiental e o social, e salientou que o banco tem trabalhado para garantir, por meio de seus serviços, crescimento econômico com redução das desigualdades sociais e redução dos riscos ambientais. "Além de contar com linhas de crédito diferenciadas para as empresas que têm projetos focados em sustentabilidade, o BNDES está atento às empresas que já conseguiram recursos da instituição e que na implementação das suas atividades deixam de cumprir os critérios de responsabilidade social, como trabalho infantil, escravo etc. Se porventura isso se comprova, os contratos são suspensos". Ao demonstrar grande interesse na parceria com o BBOP, Henriques afirmou que o BNDES está disposto a financiar projetos que levem em conta o mecanismo de compensação e assegurou que "as empresas que aderirem a essas iniciativas terão seus riscos reduzidos em caso de avaliação para financiamentos de projetos pelo BNDES entre outras instituições financeiras", reforçou.

Em sua fala, Marina Silva, senadora pelo estado do Acre, elogiou o formato do evento, salientando a necessidade da substituição do debate pelo diálogo, e defendeu o modelo de coexistência na questão ambiental. Para Marina, o ideal é transitar de uma atuação voltada à idéia de confronto e defesa para um posicionamento de visão de valores. "O país tem de começar a liderar pelo exemplo. Estamos 30 anos à frente no debate dos biocombustíveis, e mesmo com as dificuldades que ainda temos, devemos celebrar nossas conquistas. O Brasil tem que começar a fazer jus à potência ambiental que é, e nesse aspecto as empresas são fundamentais para ajudar a levar essa cultura para outros países, porque a biodiversidade é no planeta e não em alguns países. Temos sim capacidade de desenvolver um novo modelo de produção de carne, grãos e biocombustíveis com foco na sustentabilidade", disse.

Segundo o secretário-geral do Funbio, Pedro Leitão, um grupo de trabalho será montado no Brasil, com especialistas técnicos em biodiversidade e profissionais de setores impactantes, especialmente agronegócio e mineração, atividades econômicas com alto potencial de impactos na biodiversidade e, por isso, prioritárias no âmbito do BBOP. "O grupo deve definir estratégias de mobilização destes e de outros segmentos empresariais com os quais queremos trabalhar as ações de compensação voluntária, apontando caminhos possíveis para conciliar bens de consumo e proteção do patrimônio natural, gerando equilíbrio ambiental, trabalho, renda e inclusão social", salienta Pedro.

Um dos grandes benefícios da parceria do Funbio com o BBOP para o setor privado brasileiro será a possibilidade de participar de um programa internacional e multi-setorial. São integrantes do BBOP empresas como Shell, Rio Tinto e Newmont, além de ONGs como Conservação Internacional, World Conservation Society e Forest Trends.